domingo, 30 de agosto de 2009

ela é atriz

dos cabelos que escorrem sentada se finge ofélia como se brincasse com bonecas
mas sou eu quem me jogo no rio do teu riso e me deleito em teu leito
mas dessa vez, rainha me salva e então te trago na boca uma flor
de vitória-régia que eu pesquei no chão

cravo e canela da atriz.

maquiagem

ó feia, mulher feliz.
de feições, um holocausto à simetria.,
onde se mete este nariz?


desmerece a dó.


olhos cobertos de toldos grossos,
beiço cheio que beija seus filhos
e assusta os nossos.


pernas largas que se ralam,
nádegas desbotadas que rebolam,
pés tortos que se enrolam.


penugem atada a nó.


cabelos nem ao vento que não o quer,
bochechas vermelhas pelo ardor das orelhas,
ô feia, mulher.


feliz.

uma ilha de paz no lago paranoá

o buriti não é aqui no pico do jaraguá
o buriti tem um busto do guevara mirando a esplanada
atrás do lago paranoá

uma ilha de paz logo atrás de um palácio do governo
de água feita pra evaporar, ver se chove na terra seca,
vê se molha o cerrado
ver se limpa o senado
ver se lava a rampa do planalto
ver se causa indagação;
se chove,

vivendo a graça

raspa-se os pêlos das mãos,
e a carruagem passando,
tira-se sobrancelha,
e a chuva chegando,
embebeda-se no perfume,
e o verde da grama,
pó branco e azul,
como você se tornou uma dama.

beijos intensos
de batom vermelho bordô,
na fumaça do incenso
você popularizou,
a onda de sair do armário
e ir para as ruas.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

trezentos e três o número místico (suíte vila rica)

Anda-se pela vila rica toda cheia dos balonês dizendo que tá perfumada feito flor pelo canal que sente a dor de todo o esgoto clandestino da cidade, de todos os jamboloeiros que sujam os pára-brisas dos carros indevidamente estacionados, de suas raízes que se entranham nesse aterro de mangue, anda lá achando que é a oscar freire, a rodeo drive, tocando interfone e saindo correndo de salto. Anda lá santista, respira esse ar de silêncio e veste as havaianas, que isso só pode ser benção.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

luz

Os arrepios que descem às costas dos pés, do corpo librado,
e sua mente noctívola, de poeta naufragado;
Os beijos que te cobrem como corolas perfeitas,
e os ais angelicais que se misturam ao som da noite;
numa espiral suas tenções atingem patamares divinos,
e então, o regozijar da escuridão pura e sem pudores;
pois pela primeira vez na vida,
percebeste que nada há, mas tudo há de ser.
Na noite velha mais completa, a brisa sopra uivos de prazer

felizes são..

sentado ali.
dono de vastas terras, o maior criador de probrema da região.
enquanto observava a considerável amplitude, recitou em tom solene:
-nem uma ruga.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

passeando

Não te conheço mas a quero. (neste ônibus vazio)
dor adolescente de paixão.
o cair moroso do véu em franja revela olhos de carvão.
o meu íntimo em brasas.
Não te conheço e assim a quero ainda mais,
brilho no carvão, de brilho eterno.
Alguém que um dia eu vi.
E em nenhum outro segundo além.

domingo, 23 de agosto de 2009

o dr. venâncio josé lisboa presidente da província de s. paulo etc
faço saber a todos os seus habitantes que a assembléia legislativa provincial decretou
e eu sancionei a lei seguinte:

artigo único –
fica elevada à categoria de cidade de santos
a vila do mesmo nome
pátria do conselheiro josé bonifácio de andrada e silva
revogadas para isso as disposições em contrário

mando portanto a todas as autoridades
a quem o conhecimento e execução da referida lei pertencer
que a cumpram
e façam cumprir tão inteiramente como nela se contém

o secretário desta província a faça imprimir publicar e correr
dada no palácio do governo de s. paulo
aos vinte-e-seis dias do mês de janeiro de mil-oitocentos-e-trinta-e-nove
(a) venâncio josé lisboa

sobre o interior de s. paulo

pamonhas, pamonhas, pamonhas;
pamonhas de piracicaba
venha experimentar - é uma delícia
pamonhas de piracicaba: é o puro creme do milho.

Sobre chocar a alta classe

Um homem, sentado sozinho à sua mesa, depois de impressionar o sommelier, depois de degustar os mais finos tratos da Figueira Rubayat, palita os dentes; por que manter nas mesas paliteiros, não sei, não sei, duvido muito que de fato isso se passe lá nos Jardins, mas veja bem, chama-se palito de dente, muito usado pra ver se o bolo já está no ponto.

meu lugar é onde

de dia anoiteço
de manhã, enraiveço
de tarde, faço um berço
de noite, a conheço
na madrugada, molho pesto
de tardinha, espesso
de ontem, vai manjericão, azeite e pinnoli, que pode ser substituído por nozes se não achar pinolli, pode ser castanha-do-pará pra ser mais brasileiro, mas aí não é pesto genovês. mas eu posso ser brasileiro, não fujo à sorte, eu posso ser genovês, lógico que eu fujo da morte, só não daquela morte do saramago, se bem que desta também fujo; não toco cello.

meu lugar, é onde. não esquece o sal.

a poesia que se foda sozinha

enquanto eu adentro
surdamente
o reino das palavras
a república
a comuna
portuguesa
das palavras.

silêncio na baixa da consolação (a metafísica do ateu)

o reino das palavras portuguesas é mudo e silencioso
feito de frases de efeito.

penetra-o
surdamente.

TV Minuto (vida de pão de queijo)

muda me fala pelos olhos
lacônica diz-me que chove lá fora do túnel
e eu me rio
eu no rio

eu corro pra lá, pra cá, escondo poemas no meio das macunaímas e das severinas
e rio, eu no rio, leio numa casa velha, só leio, só velha
mal iluminado por um poste da rua que atravessa a fenetra.

e tal tal

é claro que esse título é bom demais
pra um poema tão ruim
só que eu não posso perdê-lo, não, mas depois eu mudo, tão mudo quando a tv minuto. me mudo.

De Stijl

Eu sou abstração humana com pêlos;
Meu rosto incha do lado esquerdo (sou quase de stijl em mim).

Tenho em mim diversos dantes, só que todos escrevem só monólogos, tendo em vista os custos de produção.

Aí tem essa moça, que passa, toda bem-vestida, toda sabida e tal
de pele limpa, achando que é quase alguma coisa; não sê tão aristotélica.
Eu me humanizo em pêlos no peito, em tê-los no peito. O peito não é mais coração, lugar-comum, é só peito, onde nasce cabelo, ainda bem que não nascem na mão.

me olvida

a poesia que se foda sozinha.
um ode à palavra bruta, em gema, na rua, no chão e no asfalto. Diz que
penetra
surdamente
no reino das palavras

diz isso
que mergulha
surdamente
no reino das palavras

-adentra.

lugar-comum

imagina um pântano de ressaca brava de mar, um pântano com onda encobrindo as árvores, um mangue turbulento passando em baixo de uma estrada um mangue lamacento trocando palavras com a iara tudo isso debaixo do mais alto sol.

imagina um tiro de espingarda um lago transbordando de patos que nadam em direção a um regato um pato no mato meio calvo.

imagina só.

imagina um canal todo verde de musgo um canal todo verde verdade de limo de cuspe de esgoto clandestino de morto de vivo de manjuba de garça de mato de morto de moto demito de mito de chuva de sol de chuva de nuvem de chuva de espiga de lixo de saco de mato de mito de chuva de hibisco de jambo de folha de mato de mito de pomba de pombo de chumbo de óleo de escarro de lua de sol de chuva de gelo de luz de mãos de mim.

imagina.

meu lugar não é aqui

saliva sem rumo, que escorre pelo mento, escorre pelo seu longo gargalo, marcado de beijos amargos
estendida na cama com lençóis de seda, amando o passar do tempo.
nas molduras sua reflexão, uma ode à beleza. apunhalando nossas deformidades laudatoriamente
sua majestade tem o dom. tudo no mundo é metáfora. todas palavras são vazias
perseguida pela ingenuidade dos lindos solitários, solitários lindos
absolutamente só, senta-se à frente da vidraça e remoinha os peitos, delicadamente
então beija a si mesma com lábios doces e sem rimas.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Black spot in a worm hole

terça-feira, 18 de agosto de 2009

tempo: vento

No mais tardar, serei breve
E assim sendo, como a semibreve,
À tua integridade estarei atento;

Não mais deixarei-te ao relento
E nas cachoeiras do rio paulista, que faz vento,
lento como é, farás da intempérie
-das bátegas que caem como rajadas em série-
mero verão que só os melros verão
acomodados em suas árvores de tabebuia.

sábado, 15 de agosto de 2009

estudo: versos em pele - hibisco (a ser desconsiderado)

é dos olhinhos puxados
das curvas suaves de seda
teu rosto me mostra vereda
por caminho do teu coração

são versinhos de papier mâché

é do sorriso aberto
do lábio que parece uma flor
da língua cor de cereja
a qual dá ao vento sem pudor

é dos olhos afinados
do lábio que parece um hibisco
quando arranha minhas costas
com as unhas rubras de tinta
me morda o pescoço
só pra me deixar arisco

me diz o que eu faço, moça bonita,
não precisa nem dizer por favor;
eu só queria morder a cereja, morena
eu só queria beijar a flor.

(Olhinhos puxados me cercam como papéis de parede me embrulham, rasgados,quando presentes São todos iguais cortados com faca suíça de nobre metal Só cópias baratas dos teus, e de afiado corte dorsal)

Herói brasileiro, meu cu num é imã (poema-côco para voz)

corre atrás da água do rio
corre atrás da água do mar
se um dia eu voltar seco
é porque o sertão virou mar

o sertão já virou mar
o sertão vai virar mar
o sertão diz que não
e repete a sua sina
há mais de dois centos de anos
a vida e morte severina

um pau de arara pra sumpaulo
um ônibus velho sem viação
nas minas gerais me aporto
pelo norte do sertão

belo horizonte, lá vou
de saco preto bigode preto, baldeação
à bordo do ônibus de sumpaulo
paraíba chapéu na mão

vou voltar pra joão pessoa
pelo rio braço de mar
vou voltar pras cajazeiras
onde dão castanhas, no rio do peixe do são joão

vou é buscar maria e irene
vou buscar explicação
quando chegar em sumpaulo
de como faz pra tirar o sertão
pelo trabalho que eu valho
da fome d'água sem farinha é pão

Trabalhar na volkswagen
Trabalhar na sé, s. joão
me espera a cova rasa e eu pedindo de copo na mão

calango na parede
do prédio alto com bandeira
eu te digo irene não vale a pena

eu vou membora pro sumpaulo
pato preto cai no chão
vou membora de asa branca, saco preto, saco de pão.

e aqui de saco preto, bigode preto e indagação
morri-me num canteiro, ainda tinha chapéu na mão;
minha lápide é toda clara
acima as honras do país
que havia de mim esquecido
até que o cheiro deu chamariz.


gado

Trata-se de um peão
de soja seca-mato;
tratando do seu gado,
engorda de boi calvo.

um boi-tamanduá
que se encontra nessa mata:
não é mais o mesmo
não é válido de se achar

o boi
ô boi

um boi com um tacacá
que te ataca nesse mato
não sobra-lhe mais o medo
é velado em altar

como há de ser o boi que morre
por coragem e estupidez
como diz que é o boi que corre
por longe da insensatez

morre.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O amor é um soneto de fim dúbio

já este texto, não.

(onirismo) -eu acordei tocando jobim

acorda devagarinho morena
e diz que eu não devo derramar no piano o pranto,
que como um véu de pano,
aquece o meu sono; me liga às quatro da manhã,
e diz que era engano, te amo, te amo,
mesmo pisando no meu coração...

---

a sabiá-coleira arrulha na minha janela de manhã;
vai embora passarim, traga de volta o meu amor
sem dizer aonde estou, diz a ela que não vou
não vou não, só vou amanhã, se não chover, amanhã; depois.

Escreverei-te um soneto, chamarei-te de senhora

Não lhe conheço, senhora, estava
Ainda que há pouco, a lhe esperar
Não te abraço, pois que és tela frágil
e lha haveria de chamar por nome falso

nome fácil, nome ruim, nome que me reduz à estafa
de um homem que sorri até que lhe doam os músculos
da sua face, quase alva, exposta à ardência do grande sol

me arde, moça senhora, te chamo por nome fácil de dizer
sai da ponta da minha língua tu alcunha seguida de nobre
elogio de sentido clássico ou falácia taciturna;
e lhe digo, senhora, queres sonetos, queres romances, seduza a Alencar - de mim ganharás pronomes e conjugações mal casadas, brancos versos, livres versos, adversos, dispersos; ganha nada.

se eu me morro (de amor ou libido)

Digo à vocês que escutam:
Digo-lhes sem saber nada
Passando em claro a madrugada
Que com olhos verdes não se brinca;

Tal contraste releva em teu rosto o céu da manhã paulista
Faz com que eu, faltando da cegueira habitual, enxergue
até atrás do MASP
até a serra da cantareira
encravada na tua íris como o marisco na rocha ou o mais antigo ipê
faz-me varanda, de flor amarela, faz-me pequeno em seis metros de estatura
faz-me, simples, me faz escrever um soneto que sou teu.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Wave

era o alto da paulista
lá fizeram de varanda
de museu uma ciranda;
salva-guarda da cantareira
salvo-conduto de correntes
ar no atlântico sul.

flutua, como flutua a lua
como flutua o andaime do empregado
limpa a janela e olha o decote da moça sem resguardo
lava a vidraça, a rodo e balde, do edifício são luis gonzaga

com a boca
beijando o vidro
tocando o pó
lambendo fumaça (e a tosse)

por isso não há limo no trianon.

domingo, 9 de agosto de 2009

La gomera

Para repor meus pensamentos e aliviar as exigências da pomposa e ilustre pança que me cobra e me cobre, um texto terá que ser posto neste espaço designado.
Pois bem, vamos maturá-lo, alimentá-lo com idéias não tão engenhosas.
Se começarmos com.. Uma menina. Isso não o agradaria.
Inovar é importante.. Um travesti. Ainda muito usual.
Teremos que ir com.. Um hermafrodita.
Que.. faz ponto no cais. Não, comum.
Que.. é de luxo. Hm, luxo não se encaixa nesta estória.
Que.. faz ponto no cair do dia na Garibaldi.
Perfeito.
Miriany, hermafrodita, faz ponto no cair do dia na Garibaldi.
O vento frio de julho a força a usar um coturno, dificultando a clientela que não vê o produto.
Ela faz conchinhas com a mão grosseira para acender sua bituca.
A noite é sua para aspirar, o cheiro da armadilha.
Armadilha sua que está aberta, a cilada para os pássaros que se encontra a ponto de disparar.
Alguém desce do táxi. Entra na locadora ao lado. Nem a olhou. Timidez ou objetividade?
Sabia que muitos sentiam asco. As gônadas que se convertem.
Hermafrodita protogínica. Auto-polinizam.
Miriany gera novas flores e frutos.

sábado, 8 de agosto de 2009

A problemática do choro e do tango

Construídos sobre melodias intransigentes, como quem pede para ser anotado, aquele é sonata e este é dança, e logo se encontram e se contrapõem em dois movimentos de ciclos alfandegários, portuários, carioca e porteño. A problemática que me traz à esta milonga, que me traz esta milonga, diz-que-me-diz que está contente na madrugada nublada desses dias. Pois que não era necessário ser dito; não fosse assim seria samba no banco da praia, da praça, no jardim.

domingo, 2 de agosto de 2009

Expresso Mossoró (a fundação de S. Paulo)

Batia 9:37h e conforme informava a tabela devidamente pregada a dois rebites à antiga parede de alvenaria aportava o trem do Expresso Mossoró, Senhor o chapéu, Leve-o, Obrigado, À que horas é servido o almoço, ao meio-dia mais três tilintares de quartzo. Dispensado o serviço de bordo abrira o recém-adquirido livro sobre as memórias póstumas do fundador da Vila de Todos os Santos e fingiu pra si mesmo que lia. Sim, fingiu, pois que este Brás Cubas era outro. Como escreveria depois de morto, se perguntara ao avistar tal título, rira da estupidez do autor e comprou o exemplar por pena, lá nas bandas de Natal. Folheando a brochura, lhe escapavam arranha-céus e vinha a areia, areia, areia; areia.

Clara, deitada eternamente em berço esplêndido

Clara, és forte como o vento
passa sem tamanho
corre como o tempo;
foge das minhas mãos.

Clara, te digo sem temer
que és intempérie
como quem diz que te espera
o que não é ócio ou dever

Clara, és alva
mas isso é óbvio pois o diz teu nome
proferido pela minha boca, some
engulo a folha do vendaval

Clara, sou Ana
sou tua, sou nua, sou brava, sou morte, e foges de mim
sê mais brasileira: vem de encontro ao meu seio,
mostre à terra que a filha dela não foge à sorte