domingo, 27 de dezembro de 2009

ponte em uruguaiana

eu vim andando desde laguna
e parei nesta ponte em uruguaiana
a sede já me mata nesta cidade de eterna paz.

daqui eu vejo os santos borja e pedro do rio grande, e vejo as corrientes, vejo as plantações, o paso de los libres.

aqui nesta fronteira é onde o tempo e o vento mudam, onde eu visto minha capa que é pra me esconder do minuano, ainda ontem era um veranico, daqui a pouco chove... tomo um trago e sento aqui; lá vem o trem... lá vem o cusco correndo gélido; olha lá o trem... américa latina logística...

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

cada tudo

todo minuto é hora pra alguma coisa
toda hora é dia de algum mundo;
cada segundo, um quando escrito,
cada ano, uma década que dura um segundo

ou um terceiro.

cada tudo é um pouco de nada, cada estrada é um pouco de tudo, cada um cada dois cada um nenhum cada um a mais, um a menos, um segundo, um terceiro e um quinto. cada um coça o pinto
como bem lhe serve.

todo mundo é um minuto, toda hora é uma população, todo dia um país
e nação seria uma rima óbvia demais.
cada um, nenhum.

música

há um poema do Ezra Pound que eu não lembro
mas ele não diz nada, ressoa mais aqui em minha morada
o que quer que tenha dito Pessoa.

Há aqui na minha casa uma garrafa bem redonda, vazia, com ar, e eu a tomo por flauta de vez em quando...

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

finanças

Há ali uma carta semi-aberta, semi-colcheia.

Leio-a? Semi-crime, afiançável e desesperadamente subornável (quase um berro, aceitam até Visa Electron)

A carta diz:

"Ilmo. Sr. Lucas Rodrigues





Vimos por meio desta informar-lhe que sua conta corrente neste banco está apta para suspenção por inatividade. Compareça a uma de nossas agências e converse com o seu gerente.

Equipe Santander"

...e tem gente que ainda escreve cartas? Que fará Lucas agora?

nem sabia que eu tinha conta em banco algum.

---

Era tarde e era cedo, junto, e a moça da casa da frente resolveu, sei lá, dar uma volta na Ana Costa; atravessou pela galeria, olhou de lado e olhou apertado pra uma lojinha indecente, a qual ela morria de vontade de adentrar, mas ah, fez que não, seguiu reto, viu a livraria, fez que não, seguiu em frente. instalava-se ali um tumulto; ai quanta gente em torno de tão pouca moça, não aguentara a disparidade da nossa taxa de juros, não tinha mais contas a fazer em sua vida, não ligava mais para o cargo alto, investira no fundo errado, jogou-se do topo do prédio do banco do brasil. nossa heroína do gonzaga continuou andando e pensava em se arrepender de ter colocado saltos.

---

Era cedo (e só), nossa heroína acordou na ponta da praia semi-nua e sem razão.

---

Era tarde e nossa heroína dormia em sua casa.

---

era quase outro dia e ninguém tinha mais história, era quase outra lua e ninguém tinha mais um fósforo pra alumiar a lua nova, aluar a luminosa, luna, lucas, diz lá se és feliz: eu sou feliz à prazo.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

ser

Eu sou um bravo bandeirante português
subo a serra desço a serra corro na serra nado na serra serro a serra serra a serra serra serra.

eu sou um bravo bandeirante paulista
e eu tenho uma estátua em santo amaro.

eu sou um bravo paulista
e pego trânsito indo pro trabalho
eu sou mais pra um paulista bravo
fico no carro, suando, ouvindo a miriam leitão falar bobagem
no trânsito. amarrotando o terno.

eu sou um bravo bandeirante paulista, eu fundei cuiabá.
subi pelo coxipó. eu fundei cuiabá.
eu vim lá das bandas de sorocaba pra isso.
eu e mais trinta índios, 20 mulatos e uma penca de negros.
fundar cuiabá...

eu sou caiçara.

---

no princípio nhandervuçú criou a alma, e a dessa a mais antiga, a chamavam anhangüera. todo mundo sabe de tupã, mas foi nhandervuçú que o criou. é que nhandervuçú é muito difícil de falar. nhandervuçú.

anhangüera foi à goyaz...

o sambaqui de guaibê

olha o monte, tupinambá, olha a concha que faz guizo
olha o riso
olha o céu, olha o mar, do guarujá, olha lá...

olha só que homem novo.

olha o caiçara, a armadilha do mato.
olha o sapo, olha o mato.

olha a terra, olha o mangue, olha o sangue escorrendo dos tupis de riba-serra
olha a serra, escarpa do mar

olha o nosso filho jogado no chão, olha o urubu sobrevoando, olha o manto
de folhas secas de ipês, de restos foscos de bromélias
olha o céu, olha o mar, olha o barco grande

o mar de morros que eu nado a pé...

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

a morena como a ninfa tropical

é bem verdade que as ninfas do camões são tropicais, mas vá lá, veja bem; camões não era vinícus nem tom, camões lá sabia o que era saudade (sabia), já lá teve uma morena, conheceu esse pecado, já provou desse dilema? damas da corte não contam, eu quero damas do jardim da praia, eu quero moças morenas, beijadas de sol, abraçadas pelo mar, que caminham mudas com olhar pra mim sentado ali no banco, um olhar de soslaio, me quebrando todo por não ir lá acompanhá-la, eu não posso, ela é toda do sol, que vai engolindo essa moça ao longo da orla, na direção do guarujá... e leva ela com ele, em sua carruagem de apolo, e quem sou eu pra contrariá-lo, senão um mero observador de coisas, um escriturário, mas assim, e assim ela conhece o mundo, assim ela sabe das lendas do boto e das lendas do cataio, ela sabe mas não diz, por que moça não me diz o que passa, só sorri? por que moça, não me dá um oi quando passa, abaixa o olhar, meio sem graça, só pra quando voltar brilhar mais, ofuscar as vistas, me tirar as pistas, me tirar do sério...? é saudade de um tempo que ainda nem veio.

domingo, 13 de dezembro de 2009

a problemática do choro e do tango

eu miro fixamente o lustre de uma só lâmpada
até ver o reflexo da minha própria face no globo fosco

e eu que era discreto, agora grito de alívio
e eu, dantes aberto, outrora fingido, por dias absorto serei
até que soe o tango e o choro no pianos dos salões de santos outra vez.

mas e as moças?
será que elas dançam o tango que sangra?
será que elas pas de deux ao invés de milonga? já não sei.

sábado, 12 de dezembro de 2009

bete boquete

Tatuou a encrenca no meio da testa, pegou o fuca e foi
pra festa, não era madrugada e ela já tava pelada,
fazendo uma preza pra rapaziada, onde ela vai ela
arrasta comitiva, Bete Boquete, Bete Boquete, Bete
o nome fala por si mesmo. A rainha.

a agonia do cego que estende a mão ao vento e o instante no qual lhe é tomada.

un casí silencio, una nota borrada de su mano
que ya se fue, se fue temprana,
no quedaría alí por mucho más todavía.
nota.

casí una nota, sino un silencio envuelto en harmonía
tendiendo a la oposición máxima de fuerzas
como se pudiera besar tu espalda con espalda
como si tu morenice era de seda, izquierda, la mía, yo olvido, me olvido de morena, ólvida, me olvido de mi portugués, solo queda la lengua de morena...

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Vélinho

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

lampião em capela

adentra a cidade acompanhado do sr. prefeito, corrupto.

domingo, 6 de dezembro de 2009

O Vislumbre de Naiad

sábado, 5 de dezembro de 2009

Ulisses, fundador de Lisboa

Ulisses, rei de Ítaca, esculpiu na foz do Tejo uma diadema lusitana
esculpiu com a unha, em pedras do parque Monsanto,
o chiado, a baixa, a alta e belém... da ameixeira à sta. maria, à santos-velho e s. paulo
benfica até marvila...

Ulisses, rei de Ítaca, fez Lisboa para olhar pro mundo
ainda que se lembrasse sempre do velho continente
por ser constantemente afluída pelo Tejo no seu coração.

Já eu, moro em santos-o-novo, tocada pelo tejo na corrente fria do Brasil.

a nova primavera do foakeanismo

no meio de tanto kitsch, blog kitsch, e bordados, eis que surge uma flor.





quiche de pêra e roquefort.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

fish & bird

[...]
Assim o marinheiro deixou a princesa em terra firme e partiu, estibordo, ao norte.
Numa tempestade o pequeno barco fora chacoalhado à sombras espumantes ondulares, prateadas de luar.
Deitado na solidão de escombros em alto-mar, curvou-se.
Seu relógio, parado. As luzes, apagadas.
Olhou para o céu e na silhueta farta da lua que enchia seus olhos, um passáro lhe observara.
Do alto da torre, a princesa, fadada à maldição do fino eterno, enchia as lágrimas com o mesmo luar.
O marinheiro mirou o olhos do pássaro.. Você não me olha deste modo há anos, mas eu ainda estou aqui.
O mar então virou um espelho, onde o peixe deitava-se na lua e o pássaro na maré.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

fernanda (matita perê)

a moça de avental verde, atrás da bancada, na caixa
a moça de uniforme largo, sorriso largo, e o passo jeitoso
a moça sorri pensando num outro moço
e a moça serve café, feliz.

a moça acorda 4h40 da manhã pra atravessar a ponte do piqueri num ônibus circular branco e verde
a moça vai no caminho ouvindo música num celular comprado a prazo, à perder de vista. a moça mal pisca quando bate uma brisa.

morena baixa andando na espreita de uma noite sem nuvens
e sempre um caco de vidro na beira da calçada de um beco: tropeça pra cair no meio-fio

A moça morena, doravante denominada Fernanda M., 25, declara "tropecei num facho escuro, ao meu alcance um pedaço de garrafa". Vidro marrom ou branco? "verde, de stella artois" anota escrivão;
Juliana caíra por uma bota, uniforme verde rasgou-se. E então, naquela ingrata posição, apoiou a cabeça no chão e uivando, pediu mais. Marta ralara os joelhos. Gabriela não tinha medo. Marisa alcançou o estilhaço e fez um estrago na garganta do infeliz. Luísa achou por bem selar seu abuso com um beijo, Lúcia era fatal e não sabia, Judith nem usava calcinha.

Então o meliante caiu sobre o teu corpo semi-nu e apertou tanto a tua cintura que lhe marcou pra sempre a pele morena de vergões ainda mais escuros? Raquel alcançou o estilhaço e fez um estrago na garganta do oficial de plantão, só pra ver o medo no rosto do escrivão.

acontece que o escrivão também era meio avoado.

---

(also spracht zarathustra...mendelssohn ou lohengrin...)

Amanda e escriba, a igreja toma parte na vossa alegria, crescei e multiplicai-vos, por isso o homem deixará pai e mãe para se unir à sua esposa, e serão os dois uma só carne, viestes à casa da igreja para que o vosso propósito de contrair matrimônio seja firmado, interrogar-vos-ei sobre as vossas disposições, diga que sim, hesite e também concorde, não faça vexame, logo tiro o estilhaço da bolsa, que bolsa? coloquei-o na cinta-liga, ótimo, que exploda agora, e ao som dos tímpanos que seriam um nascer de sol, se profanou a hóstia, e a igreja vibrava tanto com os acordes de Strauss, Richard, Einleitung, que ruiu. Maria, que estava de costas para a cruz, caiu em posição pouco afetada pela última vez. Paula nunca se curvaria. e então, nada aconteceu.

poesia do eu esqueço

eu esqueço de comprar embrulhos, eu esqueço de comprar papéis
eu esqueço até da poesia que tava aqui, eu esqueço que amanhã nao é dia de se rir, eu esqueço que a linha já acaba, eu esqueço que um dia nos separa, eu esqueço.

eu esqueço que não sou Saramago, eu esqueço que arte é nada, eu esqueço minhas lições de casa, eu esqueço que nem tenho mais lições de casa, eu esqueço que não há dias, nada acaba.

Eu esqueço de comprar embrulhos, esqueço que já disse isso, esqueço tudo isso, não esquecerei mais nada. Eu esqueço a definição de Cobb-Douglas, eu esqueço como se fala hours concours, eu esqueço de por francês em itálico, eu esqueço que eu esqueço, eu não esqueço nada.

eu esqueço que o muro caiu
eu esqueço que o dia some
eu esqueço quem tem fome, pra acordar mais cedo, pra ver o dia que nunca acaba, vira noite mas não acaba, vira dia mas não acaba, vira ano mas não acaba, acabou. eu esqueço o dia por causa do som.

eu esqueço como toca Brahms, eu esqueço como toca disco eu esqueço que um dia eu fui um disco, mas eu nunca fui um disco, esqueça. eu esqueço como se escreve monografia, isso eu esqueço todo dia, eu só não esqueço o fluxo de consciência, mas eu até esqueço se não me apetece, eu esqueço o que te entristece e te ligo todo feliz e contente pra ir ver o jardim, mas você nem liga mais, como disseste mesmo antes de ontem pra mim quando eu falei do negócio do trabalho da pasta azul. os outros esquecem que eu não nasci no Sul.

Eu só não esqueço mesmo como fala a língua portuguesa.